Não Te Escuto

As coisas não acontecem por acaso. Todos os nossos passos nos levam a algum lugar.
Folhear livros, revista nos mostram coisas que precisamos saber mas que ignoramos por não gostar de lê.
Este texto me chamou muita atenção. Já aconteceu comigo algumas vezes. E, com certeza você também se achará nas linhas desta história.
Sabe aquele mundo quem que fugimos? Pois é. Tem alguém nele precisando de um 'oi' nosso!
 
 
Adoro histórias de pessoas que conheceram seu grande amor quando estavam distraídas. Uma moça me disse que conheceu seu marido quando sentaram lado a lado no ônibus. Começaram a conversar e ele acabou descendo na mesma parada que ela, que não era a dele. Ele nunca mais voltou ao seu ponto de descida.

Outra moça me contou que estava caminhando na rua quando um homem passou de carro e buzinou, pensando que ela era uma amiga, mas logo viu que não. Ele acabou parando para se desculpar, garantiu que não era uma cantada, que jamais seria grosseiro, que havia realmente se confundido... e os dois se apaixonaram. Há os que se conheceram em salas de espera, há quem tenha se conhecido dentro de um avião. Pois esses encontros, que sempre foram banais e corriqueiros, infelizmente deixaram de ser uma fonte de aproximação entre amantes potenciais.
 
Hoje, as pessoas estão se privando de conhecer uns aos outros por culpa dos fones de ouvido. No ônibus, no metrô ou no avião, a maioria dos viajantes está ouvindo música. Como iniciar uma conversa com quem está balançando a cabeça para cima e para baixo e batendo o pé no chão, entretido com um rap no mais alto volume? Como ouvir a buzina de um carro enquanto se caminha concentrada escutando uma ópera? Como fazer um elogio, como comentar sobre o frio, como perguntar o telefone do cachorrinho a quem não nos ouve?
 
É a cultura do isolamento – todos parecem sozinhos, mas na verdade estão vivendo uma parceria muito peculiar, com a qual é impossível competir: o caminhante e sua Norah Jones, o passageiro do ônibus e sua Mallu Magalhães, a estudante e seus quatro ídolos dos Rolling Stones. Quem se atreverá a interromper esses romances tão particulares?
 
Se estou dando a entender que não gosto de música, adoro, e se parece que não uso fones de ouvido, uso. Não em todo lugar, não de forma viciante, mas, por exemplo, numa caminhada, quase sempre estou entretida com meu iPod e acabo dando bom dia aos passantes por reflexo condicionado, pois, na verdade, não ouço ninguém. No avião, uso os fones, às vezes. Numa sala de espera, raramente. É mais provável que tenham que interromper a leitura de uma revista ou de um livro, o que é bem mais fácil. “Já li esse livro, o final é surpreendente”. “Você não vai me contar, vai?” “Não faria isso com uma garota tão simpática...” E está aberto o caminho.
 
Como tudo e como sempre, evoluções e involuções fazem parte do mesmo pacote. A tecnologia aumenta seu prazer individual, mas reduz seu prazer coletivo. Você pode não querer falar com ninguém, respeita-se, mas em troca também não escuta ninguém. E sem escutar, não se inicia um amor.
 
Aliás, sem escutar, o amor não resiste nem mesmo aos casamentos estáveis e longos. Sem escutar, só o silêncio nos sai pela boca e só a solidão nos entra pelos ouvidos.
 
 
Por Martha Medeiros
Publicou 20 livros, entre poemas, crônicas e ficção.